Na véspera da votação do projeto Ficha Limpa no Senado Federal, o Observatório da Imprensa exibido ao vivo na terça-feira (18/5) pela TV Brasil discutiu a contribuição da mídia para esta iniciativa da sociedade civil. Em menos de dois anos, um milhão de brasileiros mobilizaram-se em prol da campanha, iniciada pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e encampada por 44 organizações da sociedade civil. Aprovada pelo Senado na quarta-feira (18), por unanimidade, a lei vedará o registro eleitoral a políticos condenados pela Justiça por
crimes graves, em decisões colegiadas. Ainda subsiste uma discussão jurídica sobre se as regras valem ou não para as próximas eleições. De todo modo, o debate em torno dos critérios mínimos para candidaturas está aberto.
Para tratar desse tema, o OI na TV recebeu no estúdio de Brasília o relator do projeto Ficha Limpa na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, José Eduardo Cardozo (PT-SP) e Daniel Seidel, secretário-executivo da Comissão Brasileira de Justiça e Paz da CNBB. Mestre em Ciência Política pela UnB, Seidel é coordenador da pós-graduação em Direitos Humanos da Universidade Católica de Brasília. No estúdio do Rio de Janeiro participou o cientista social Renato Lessa. Doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), Lessa é professor titular de Filosofia Política do Iuperj e da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Antes do debate ao vivo, na coluna "A mídia na semana", Alberto Dines destacou a reforma empreendida pelos três principais jornais do país: O Globo, Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo. Em seguida, falou sobre o afastamento temporário do juiz espanhol Baltasar Garzón de suas funções na Audiência Nacional [ver abaixo]. No editorial do programa, Dines sublinhou que quando a sociedade se articula para "impor a sua vontade aos poderes constituídos, está madura e preparada para operar grandes transformações". Para ele, o projeto pode interromper a escalada de corrupção. "Com rara felicidade soube a mídia detectar e vocalizar o sentimento coletivo", disse [íntegra abaixo].
Votação urgente
A reportagem exibida no Observatório mostrou a opinião de Luiz Fernando Rila, editor-executivo de O Estado de S.Paulo. Na visão do jornalista, a mídia foi fundamental para garantir o ritmo necessário para a tramitação porque este é um ano eleitoral. O tema faz com que os políticos se sintam pressionados na hora de disputar o voto do eleitor e procuraram "dar uma resposta", para a mídia e para a sociedade. Para Francisco Whitaker, representante da CNBB e do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), a imprensa ajuda a mobilização popular, mas tem surgido apenas no "ponto final" do processo, quando a matéria já está em plenário.
No debate ao vivo, Dines pediu para o deputado Eduardo Cardozo explicar a sua participação na elaboração do projeto. Cardozo afirmou que este projeto pode virar um referencial na vida política do país. O deputado ressaltou que quando a matéria chegou à comissão, grande parte do trabalho já estava realizada pelos movimentos sociais, que articularam o projeto, e pela relatoria do deputado Índio da Costa (DEM-RJ), que conferiu o formato. Sua contribuição foi buscar aperfeiçoamentos técnicos para eliminar resistências ao projeto e facilitaram a aprovação na Câmara. "Foi um esforço coletivo suprapartidário, supra-ideológico, que chegou a este resultado que eu espero ser expressivo a ponto de contaminar o Senado Federal", avaliou.
Conscientização da sociedade
Daniel Seidel relembrou que em 2006 a CNBB já havia tentado promover um grande debate em torno da questão política no Brasil. Naquela ocasião, percebeu a dificuldade em tornar o tema compreensível para a população. Uma das formas encontradas para fazer a discussão chegar até a base da sociedade foi incluí-la na Campanha da Fraternidade. A CNBB promoveu discussões objetivas dentro das comunidades. Temas como a renúncia de políticos denunciados por quebra de decoro parlamentar e práticas lesivas ao dinheiro público eram recorrentes nos encontros.
"Nós queremos resgatar na política a dignidade e a forma de fazer isso não é com discursos moralistas, mas sim com controle social e com avanço nos mecanismos para fazer com que pessoas bem intencionadas de aproximem da política", disse Seidel. Para o representante da CBNN, a democracia representativa é aprimorada através de projetos como este. O tema foi vitorioso, na sua opinião, porque canalizou a indignação da população brasileira com o espectro político e não contra a política em si.
Para o cientista político Renato Lessa, é importante destacar que a CNBB, apesar de ter um caráter evidentemente confessional, é uma organização da sociedade e tem uma dimensão laica. Ao longo da história, a instituição sempre transitou entre a esfera religiosa e os problemas sociais. Alguns dos exemplos da atuação da instituição foram o forte envolvimento na luta contra a ditadura e o papel desempenhado no processo de redemocratização do país.
Uma nova forma de luta
Lessa avalia que a participação da CNBB no projeto Ficha Limpa foi fundamental porque colocou a sua capacidade de organização e sua presença no território brasileiro a serviço de uma causa que tem um mérito intrínseco forte: os cargos públicos da representação popular não podem estar submetidos a critérios menos rigorosos do que cargos mais simples da vida pública. Ao contrário da maneira tradicional de se tratar a política – abstrata e moralista –, utilizou-se exemplarmente de um mecanismo popular que aciona do Legislativo para exercer de uma maneira eficaz a crítica da política.
O deputado Eduardo Cardozo rememorou as dificuldades encontradas para defender o projeto. O panorama era complexo porque era preciso conciliar diversas opiniões – algumas "radicalizadas", segundo ele – e chegar a um denominador comum. O primeiro passo foi criar um ambiente de diálogo fraterno e franco entre todos os segmentos interessados na matéria. Participaram tanto os favoráveis à aprovação quanto os contrários e também aqueles que pretendiam aperfeiçoar o texto. Durante os diálogos, foi acordado que a "espinha dorsal" da iniciativa deveria ser mantida.
Para o relator, o resultado foi positivo porque conjugou a vontade original da sociedade com o aperfeiçoamento técnico. Era necessário atender ao desejo da população de afastar das disputas eleitorais políticos com vida pregressa suja e, ao mesmo tempo, preservar o Estado de Direito e a possibilidade de defesa.
Esforço suprapartidário
"Foi um esforço coletivo. Houve momentos em que eu temi que se tentasse, neste ano eleitoral, transformar o projeto em um palanque – de um lado os oposicionistas e de outro, os governistas. Nós conseguimos, com a ação dos movimentos sociais, superar isso e colocar acima das disputas eleitorais e ideológicas", disse Cardozo.
Daniel Seidil explicou que a CNBB permanentemente mantém espaços de discussão suprapartidários. O secretário-executivo da organização frisou que a Câmara dos Deputados ainda não tem regulamentação para acolhimento de iniciativas populares. A iniciativa popular de lei, para tramitar, precisou que um grupo de deputados assinasse como autores do projeto. Foi constituído um grupo de trabalho autônomo, do qual os movimentos sociais fizeram parte. Seidil destacou que mesmo que a lei não entre em vigor para o próximo pleito, os eleitores poderão votar com mais consciência porque há instrumentos para a pesquisas sobre o candidato. "Para a sociedade brasileira, o Ficha Limpa vai valer este ano", disse.
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O projeto Ficha Limpa
O líder do governo no Senado, Romero Jucá, cometeu uma gafe quando tentou diminuir a importância do Projeto Mãos Limpas. Ao afirmar que não era um projeto do governo, mas da sociedade, sem perceber não apenas legitimou e valorizou a iniciativa mas conferiu à sociedade brasileira um status superior. Uma sociedade que se organiza para impor a sua vontade aos poderes constituídos está madura e preparada para operar grandes transformações.
A imagem das mãos limpas não é nova: nos anos 1990 a sociedade italiana lançou-se na memorável cruzada das "Mani Pulite" contra juízes corruptos e autoridades ligadas à máfia. A nossa Ficha Limpa é menos ambiciosa: quer apenas sanear os legislativos porque neles começa o círculo vicioso da corrupção. Se candidatos a qualquer função pública são obrigados a apresentar um currículo impecável, aqueles que farão as leis não podem ostentar máculas ou abrigar suspeitas.
Representantes do povo desqualificados só podem produzir sistemas capazes de mantê-los impunes. O círculo virtuoso deve começar pelos que fazem as leis. O acerto desta campanha iniciada pela CNBB está na compreensão de que vereadores, deputados estaduais ou federais e senadores jamais teriam condições – mesmo que o desejassem – de reverter procedimentos imorais tão arraigados.
Com rara felicidade soube a mídia detectar e vocalizar o sentimento coletivo. Graças a isso, em menos de dois anos quase dois milhões de assinaturas foram coletadas. Hoje [18/5] o senador Demóstenes Torres, relator do projeto na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, confirmou que não vai alterar o texto remetido pela Câmara e prometeu enviá-lo no mesmo dia ao plenário.
Estamos na véspera de um grande momento: aprovada, a ficha limpa lavará a nossa alma.
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