Certamente, na noite da quarta-feira, muitos políticos perderam o sono depois que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirmou que a Lei da Ficha Limpa pode, sim, barrar candidaturas de políticos com condenação em processos anteriores ao dia sete de junho, data em que a nova lei passou a vigorar. Pesou muito para essa decisão uma análise de processos de candidatos com fichas sujas que disputarão as eleições. Assim, tornou-se bem claro que aqueles que têm condenação criminal ou cível por improbidade administrativa, aplicada por órgão colegiado da Justiça, ficarão inelegíveis e, portanto, fora das eleições.
Pouco mais de alguns meses depois da publicação da nova lei, essa mesma interpretação prevaleceu a partir de uma consulta. Na decisão da quarta-feira, durante o julgamento de um político com condenação que pretendia concorrer às eleições de outubro, o TSE demonstrou inequivocamente sua posição. No caso, Francisco das Chagas Rodrigues Alves pedia no processo que a Corte deferisse sua candidatura ao cargo de deputado estadual, depois que o Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) indeferiu a concessão de seu registro. A sentença do TRE-CE levou em conta o fato de que Francisco das Chagas foi condenado, em 2006, ao pagamento de multa e à inelegibilidade por três anos, a partir do crime de compra de votos na campanha para vereador de Itapipoca (CE) em 2004.
A decisão do TSE, na noite da quarta-feira, foi baseada na Lei da Ficha Limpa, que prevê que aqueles condenados em decisões colegiadas, ou seja, por mais de um juiz, ficam impedidos de se candidatar pelo perío-do de oito anos (até 2012). O julgamento que deu um novo rumo às eleições deste ano começou quando Marcelo Ribeiro, relator, defendeu a tese de que uma pessoa não pode ser punida duas vezes. Já a interpretação do ministro Arnaldo Versiani foi bem diferente. Para ele, a inelegibilidade não é uma pena ou uma condenação, mas sim uma condição para ser examinada quando a candidatura é registrada. O julgamento da semana anterior foi suspenso a partir do pedido de vista da ministra Cármen Lúcia, que manifestou seu voto na quarta-feira no plenário do TSE, concordando com o ministro Arnaldo Versiani.
Depois que a Lei da Ficha Limpa fisgou alguns tubarões, ficou mais difícil a vida de alguns políticos que pretendem se perpetuar na vida pública a qualquer custo, buscando novos mandatos, ainda que tenham folha corrida manchada na Justiça. Entre os pescados pela isca implacável da lei estão medalhões como o deputado federal Paulo Maluf (PP-SP) e o ex-governador do Rio de Janeiro e ex-secretário de Segurança Anthony Garotinho, condenado a dois anos e seis meses em regime aberto por formação de quadrilha. Evidências mostram que casos como esses devem envolver os tribunais em uma batalha jurídica daqui por diante.
Paulo Maluf caiu na malha da Ficha Limpa depois que o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de São Paulo decidiu barrar a sua candidatura. O episódio evidencia que muitos políticos já começaram a sentir calafrios ao tomar conhecimento de que estão vulneráveis. No caso de Maluf, os magistrados chegaram à conclusão de que o político paulistano simplesmente não poderá disputar mais um mandato depois da condenação pelo “Frangogate”, nome pelo qual ficou conhecido um escândalo de desvio de recursos públicos. Em 1997, o então ex-prefeito de SP e sua mulher, Sylvia Maluf, foram envolvidos no caso da venda irregular de coxas e sobrecoxas de frango para a Prefeitura de São Paulo, como parte do programa de merenda escolar do município. O caso aconteceu durante a gestão de Maluf (1993-1996) e também na do então prefeito Celso Pitta, seu sucessor e afilhado político. Investigações constataram que Sylvia Maluf tinha participação como sócia da empresa utilizada para realizar o desvio das verbas.
O desembargador Walter de Almeida Guilherme, presidente do TRE, que votou contra Maluf, não fez por menos, ao afirmar que aquela decisão passaria para a história. Ele ressaltou que a Lei da Ficha Limpa, aprovada neste ano no Congresso, poderá ser um marco da Justiça. O magistrado até enfatizou: “Se não fosse a Ficha Limpa, de fato, nós não teríamos condições de impugná-lo, por não termos o trânsito em julgado, ou seja, quando não cabem recursos da sentença judicial”.
Como sempre acontece em situações como esta, Paulo Maluf reagiu com desfaçatez, afirmando que foi uma decisão injusta, porque tem 43 anos de vida pública e não tem sequer uma condenação penal. Por isso mesmo, ele já antecipou o propósito de recorrer ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e, se for necessário, ao Supremo Tribunal Federal (STF). Maluf até acrescentou, com ênfase: “Pela lei, eu posso ser candidato. Ela impede a candidatura de quem tenha condenação transitada em julgado por tribunal superior, e a minha não transitou, porque tem um efeito suspensivo, um embargo infringente. O julgamento não terminou e eu posso ser inocentado”.
É justamente essa trilha que muitos políticos como Maluf irão percorrer, com advogados dispostos a interpretar a nova lei, como ele, por exemplo, quando afirma que a Lei da Ficha Limpa deixa bem claro que é preciso haver dolo, o que reforça o seu argumento: “Não dá para acusar o Paulo Maluf de ter enriquecido com a compra dos frangos”. Mas não é essa a interpretação que faz o procurador regional eleitoral Pedro Barbosa Pereira Neto, para quem, ainda que sub judice, o candidato tem o direito de fazer campanha, “mas a decisão do TRE tem um significado importante pelo que simboliza o político em questão”.
Já Anthony Garotinho, como Maluf, interpreta a Lei da Ficha Limpa do jeito que bem pretende, ignorando que ela estabelece a proibição de candidatura de políticos condenados por órgãos colegiados, por crimes graves, com pena de prisão superior a dois anos, inclusive daqueles que renunciaram ao mandato para escapar de processo de cassação. Garotinho conseguiu registrar sua candidatura a deputado federal mesmo depois de ter sido condenado por abuso de poder econômico em maio deste ano, uma vez que foi considerado culpado por formação de quadrilha e sentenciado a dois anos e seis meses de reclusão, pena esta convertida em serviços à comunidade e suspensão de direitos. Todavia, ele poderá, assim como Maluf, disputar o pleito de outubro.
Joaquim Roriz (PSC), que renunciou ao mandato de senador para escapar da cassação, também está ameaçado de concorrer, mas não emplacar o quinto mandato de governador, como está pleiteando e com vantagens nas pesquisas. Além disso, na semana passada, ele foi condenado pela Justiça Federal a devolver R$ 7,7 milhões à União, por ter firmado sem licitação um contrato ilegal em 2004, quando era governador. O juiz federal Itagiba Catta Preta Neto ressaltou, em sua decisão, que a compra de 25 caminhões ao custo de R$ 70 milhões podia ser considerada uma “grandiosa e desastrosa contratação”. O magistrado também constatou que foram entregues apenas 23 dos 25 veículos comprados, causando ao GDF um prejuízo de cerca de R$ 300 mil.
Mesmo assim, Roriz não correria o risco de ser alcançado pela Lei da Ficha Limpa neste caso, uma vez que a decisão não foi tomada por colegiado, ou seja, por um grupo de juízes. Logo depois que o veredito foi tornado público, os assessores de Roriz se movimentavam para recorrer da decisão. Na oportunidade, um dos seus mais próximos assessores, Paulo Fona, mostrou-se surpreso com o veredito da Justiça e acrescentou: “É muito estranho que isso seja decidido às vésperas da eleição”.
Fonte: Brasília em Dia
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